A morte dos hipsters: como boinas e barbas deixaram de ser legais
- Isabela Gomes
- 10 de jun. de 2015
- 6 min de leitura
Agora que coquetéis em copos de requeijão chegaram no EastEnders, qual o próximo passo para aqueles que são “alternativos”?

Os hipsters nas ruas de Londres usam tatuagens descolas
Conheça Josh. Josh é um artista/chef de 30 anos que vive em um armazém que foi convertido em casa em Hackney, a leste de Londres. Josh tem barba, usa óculos e se importa com a origem de seu café. Ele paga seus impostos, não tem um trabalho das 8 às 18. E junto de seus cinco colegas antenados que dividem o quarto, evita o transporte público e prefere sua bicicleta.
Teoricamente, Josh é um hipster arquetípico – apenas não o chame assim: “ Eu não odeio a palavra hipster e eu não odeio os hipsters, mas ser um hipster não significa mais nada. Então, deus me livre se alguém me chamar assim.”
Em algum momento, anos atrás, os hipsters mudaram. Ou, pelo menos, sua definição mudou. O que era antes um termo guarda-chuva para uma tribo de contra-cultura de jovens criativos na região de (na maioria) Williamsburg, Nova York e Hackney em Londres, transformaram-se em um termo pejorativo para pessoas que se vestiam, viviam e agiam de certa forma. O Urban Dictionary define hipster como “ homens e mulheres de uma sub-cultura, normalmente em seus 20 e 30 anos, que valoriza pensamento independente, contra-cultura e política progressista”. Na verdade, a palavra é agora um insulto.
Como ser um hipster

Então, o que aconteceu? Chris Sanderson, futurologista e co-fundador da agência de previsão de tendências “The Future Laboratory” (livremente traduzido como O Laboratório do Fuuro), crê que é simples: “ Os hipsters acabaram no minuto em que nós o denominamos hipster. A palavra já não tem o mesmo significado.”
Um estudo, mês passado, de pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul, veio abastecer isso ao descobrirem que o visual hipster já não era tão “hip”. Encurtando a história: quanto mais comum uma tendência – por exemplo, barbas – menos atrativas elas são consideradas. Em 2014 nós alcançamos ao auge da barba. Será que o “café branco”, um estilo próprio de preparar o café com leite, usar boinas ao estilo hipster, deixarão de existir em breve?
Chris Sanderson acha que está mais para evolução do que para a morte. Conversando com o Observer – jornal que faz parte do The Guardian - semana passada, ele indicou dois tipos de hipster: “Hipster Contemporâneo – aqueles de barba que nós adoramos odias – e o proto-hipster, os autênticos. E, no aqui mencionado é que está a confusão.
“Historicamente, proto-hipsters têm sido connoisseurs, alguém de conhecimento amplo – pessoas que saem do normal. Como os hippies. Com o passar dos anos, no entanto, eles inspiraram uma nova geração de jovens urbanos que mudaram o conceito de ser hipster para uma paródia grosseira e mercantilista. Esses novos hipsters querem aparecer, de certa forma, querem ser vistos fazendo certas coisas, mas sem fazer pesquisas. Então, apropriam-se do estilo de vida e o do modo de pensar de um proto-hipster.”
É uma definição nítidamente resumida no trecho da música Sunday, dos Los Angeles rapper Earl Swearshirt que diz algo como: “ Você não ama nem metade das coisas que você faz.”
O problema é que agora é praticamente impossível diferenciar os dois. “Hipsters estão mais interessados em seguir; proto-hipster estão mais interessados em liderar. Ainda assim, eles são iguais, então como as pessoas vão diferenciar?”

bicicletas sem marcha – útil para ir à exposição de arte baseada em churrascos Mongóis, de seus amigos.
Esta falta de desigualdade no visual provavelmente gerou esta vontade da sociedade em falar mal dos hipsters. Como Alex Miller, editor chefe da Vice Inglesa explica: Eu não poderia definir um hipster. Eu acho que é “O Outro”. Mas, de modo geral, o termo foi estragado por pessoas que encontraram algo legal e feito por jovens para tirar sarro por não entenderem.
É uma velha história. Em “A Distinção: crítica social do julgamento”, um trabalho sobre a lógica social do gosto, de 1979, o acadêmico francês Pierre Bourdieu escreveu que “ identidade social se assegura na diferença e diferença é afirmada contra o que estiver mais perto, o que apresenta maior ameaça”.
Então, nossa incapacidade de definir um hipster se alimenta neste enigma.
“E como podem imaginar, é muito irritante para os proto-hipsters,” diz Sanderson.
Não foi sempre assim. Enquanto a definição de hipster não tinha sido tão mudada com o passar dos anos, houve uma época em que era considerado algo com significado e muito específico.
Cunhou-se a palavra em 1940 para definir alguém que rejeitava as normas sociais – como a classe média branca que ouvia jazz. Então veio uma potência literária reativa, alcançada pelo trabalho dos Beatniks como Jack Kerouac e William Burroughs. Foi Norman Mailer quem tentou definir os hipsters em seu ensaio The White Negro - A geração branca de rebeldes na América pós guerra, desiludida pela guerra, que decidiu se “divorciar da sociedade, para existir sem raízes e seguir uma jornada desconhecida na imperatividade rebelde do ser.”
Uma década depois, tivemos o movimento de contra-cultura – hippies que carregaram suas bandeiras em um modo bem auto-explicativo, divorciada do convencional. A palavra quase desapareceu até os anos de 1990, quando foi re-definida para discrever jovens da classe média interessados no “alternativo”.
No início dos anos 2000, hipsters se tornaram material de paródia, através da sátira de Chris Morris e Charlie Brooker: Natan Barley, que destinou o “twats os Shoreditch”. Hoje em dia, no entanto, qualquer um pode aparentar ser um hipster contanto que compre o jeans certo. Entre os dois anúncios de Match.com, de casais com o estilo hipster à cocktails servidos em copos de requeijão, na receita para estar na moda do bar Albert em EastEnders, “ a ideia do hipster foi engolida pelo convencional”, diz Sanderson.
Luke O’Neil, escritor fundamentado em cultura de Boston da revista online Slate, diz que é o mesmo nos EUA. “Eu tenho notado o que chamamos de “meta-hipster”: uma pessoa que evita o que o tradicional exige e quer apenas estar adiante para o status. Como se usar óculos e fazer uma tatuagem fosse torna-la hipster de alguma forma” ele diz.
Porém, enquanto Miller afirma que hipster transformou-se em um termo negativo, não em tanto a ver com a palavra e sim o que ela representa: “ Ao crescermos, nós apenas usávamos outras palavras – “moderno” na universidade, “modinha” na escola – e eles tem o mesmo significado. Hipster apenas tornou-se uma palavra que significa o oposto de autêntico.”
Nem todo mundo concorda. Na Hoxton Bar e Grill que fica loalizado a leste de Londres, Milly, uma estudante de pós-graduação de 24 anos se identifica como hipster: “Quer dizer, é por isso que nós vivemos a leste de Londres. É que a gente sente as coisas tão reais, tipo, alguma coisa incrível e criativa está acontecendo.”
Manny, um cantor de 28 anos que viveu em Dalston por mais de cinco anos, gosta da sensação de comunidade: “ Jovens não conseguem trabalhos ou empregos e eles precisam. É como uma tribo, tipo góticos. Eu espero que os hipsters não estejam mortos porque acabei de assinar um ano de contrato no meu flat.”
Miller acrescenta: “Nos nunca escrevemos dos hipsters como uma sub-cultura na Vice porque eu não creio que hipsters sejam uma sub-cultura. No entando, eu entendo que as pessoas gostem da ideia de pertencer a alguma coisa, então eu suponho que neste nível, a ideia exista.” Como O’Neil explica: “ Quem disse que [hipsters] queriam ser únicos? Eu acho que é mais querer pertencer.”
E agora? “Eu acho que hipsters terão uma reforma. Haverá uma quebra neste visual de jeans apertadinho, afeminado e de cabelo comprido, nos próximos anos devido ao aumento do modelo de mulher forte”, diz Chris Sanderson. “ E no seu lugar? Um visual mais macho, quase uma caricatura, uma tentativa dos homens para reforçar sua identidade.”

Café branco duplamente filtrado — porque filtrar apenas uma vez é para pessoas que gostam de Jim Davidson Photo: Carl Court/AFP
Talvez isto explique o fenômeno do “normcore”, um termo criado pela agência de moda de Nova York H-Hole em seu anúncio de Youth Mode – Meio Jovem, Outono passado. Ainda que muito ridicularizado pelo mundo fashion, este estilo simples, super normal, é provavelmente a reação para a mercantilização do indivíduo, a ideia de que você pode comprar peças únicas na Topshop. “Normcore” não quer a liberdade de se tornar alguém,” eles dizem. “Normcore” se afasta do que está na moda e se afirma no diferente, no pós-autêntico que opta pela mesmice.”
Isso parece uma piada, diz Sanderson, mas isso pode realmente ser tendência:”É o oposto do que as pessoas pensam que é ser “hip” hoje, mas também é muito masculino – o que se vincula a voltar a ser o “clube do bolinha”.
Para muitos, inclusive Josh, o desejo de rotular das pessoas é enfurecedor. Arvida Byström é uma artista sueca, criada em Londres e também fotógrafa e modelo. Ainda que algumas vezes identifique-se como uma hipster, estéticamente falando, seu trabalho, focado na sexualidade; identidade e feminismo contemporâneo, sugere que ela é muito mais do que isso. Sanderson a descreveria como “alguém que conduz, não que segue”.
Ela cria obstáculos na ideia de ser hipster: “ Eu não estive a par de pessoas me chamando de hipster. Eu com certeza não me identifico como uma. O que é um hipster, afinal? É um termo tão generalizado. Eu nem sei se eles ainda existem.”
Mas, como disse Josh: “Eu não sei porque você não pode ser simplesmente ser um cara que vive a leste de Londres gostando das coisas ao seu redor sem ser rotulado de alguma coisa.”
Tradução: Isabela Gomes
Link com a matéria original: http://www.theguardian.com/fashion/2014/jun/22/end-of-the-hipster-flat-caps-and-beards
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